Implicações psicológicas da exposição competitiva precoce continuada
A prática desportiva vive nos dias de hoje um período pujante. A sua democratização atinge hoje diferentes latitudes e longitudes derrubando preconceitos e mitos. Ao nível da sua própria capacitação e profissionalização. Ao nível do género, observe-se a notoriedade crescente do desporto feminino atual. Ou, no plano sociocultural, verificando-se um maior entendimento dos seus benefícios, o que reforça um aumento do entusiasmo e da sua prática generalizada em diferentes períodos de vida ou idades.
No entanto, evoluir implica igualmente contradições inerentes. Na generalidade das modalidades, e em particular no futebol, estamos a assistir a fenómenos que merecem a nossa melhor reflexão, compreensão e atuação no que às suas implicações psicológicas diz respeito.
Um desses fenómenos é a exposição competitiva precoce. Ou seja, a massificação da prática futebolística formal e organizada em termos competitivos, ao nível do volume e horas de contacto, bem como, face à importância e impacto relevado.
O mesmo é observável através do surgimento cada vez maior de oferta de treinos e preparação específica ajustada a essas idades, aliado ao surgimento de mais e diferentes formatos competitivos.
A assunção psicológica subjacente é que a nossa natureza é competitiva, e pelo qual o aumento de prática competitiva precoce responde aos nossos instintos mais básicos, revelando-se estimulante e propiciadora de estados motivacionais supostamente ajustados, promotores de saúde e até de uma abordagem socioeducativa mais eficaz!
Nada mais discutível e preocupante a médio e longo prazo, se os efeitos forem pouco controlados e as consequências nocivas dessas decisões, desconsideradas.
Inicialmente importa promover a alegria, satisfação, identificação com a modalidade ou o trabalho em equipa.
Já anteriormente, a sensibilização aos agentes desportivos ia no sentido de estes promoverem uma representação segura e positiva da modalidade, especialmente nas primeiras etapas. Atualmente, essa assunção ganha um peso e importância redobrada.
Não só pelo aumento de carga competitiva formal, bem como, por outras decorrências concomitantes, que complexificam atualmente a correta atuação psicológica nas primeiras etapas da prática desportiva.
Vejamos, mais praticantes requerem mais recursos humanos e igualmente níveis de preparação e capacitação adequados. Face ao aumento de praticantes, há um desequilíbrio que resulta da escassez de recursos comparativamente com as necessidades. O mesmo gera perdas relevantes na qualidade apresentada, aumentando a probabilidade de conflitos entre agentes, promovendo o stresse e a ocorrência de intervenções menos reguladas tecnicamente.
Para além disso, observa-se um número crescente de episódios lamentáveis envolvendo os encarregados de educação dos praticantes (os menos responsáveis), onde amiúde está subjacente uma distorção percetiva interna. Não é possível, nem faz sentido espiar os familiares dos praticantes. O que há é de uma forma efetiva, perceber a importância dos mesmos e capacitar as organizações desportivas para atuar de forma mais técnica e ajustada, contribuindo para uma adaptação positiva dos familiares às vicissitudes da prática desportiva.
Finalmente, a campeonite precoce parece insidiar o melhor envolvimento psicológico com a modalidade a médio e longo prazo do praticante.
A exposição competitiva precoce pode estar a gerar um fenómeno de saturação psicológica devido à exposição elevada ao stresse competitivo de forma continuada, bem como, face à ineficácia das intervenções psicológicas realizadas pelos agentes desportivos envolventes.
Cada vez mais se observam percursos desportivos bem-sucedidos, de jovens talentosos, que terminam ainda antes da primeira idade adulta, de forma inesperada.
De forma abrupta e por vontade própria, os novos fenómenos de abandono precoce, vêm envoltos em desinvestimento por opção, saturação com a cultura e narrativa desportiva, repriorização reativa ao desporto, desilusão e descomprometimento com a sua história e percurso.
Há que refletir (por todos os envolvidos, independentemente de nível ou papel) se a compulsão exacerbada por processos de gestão psicológica assentes em premissas primitivas está a contribuir para ceifar precocemente o futuro sucesso dos jovens praticantes.
Gonçalo Castanho
Especialista em Psicologia da Performance Humana